segunda-feira, 19 de abril de 2010

Vidro que vem da boca


13 anos

E a descoberta do vidro

Baba saliva viço

De dentro

Da garganta furando a glote

Retalhando o grito

Fabricado onde?

Nas fábricas do intestino

Nas raízes da haste

que correm o corpo

com seus labirintos

Fabricado onde?

Matéria-prima da fome

Da primeira fome

Da insaciada gana

Temperada no enxofre

Do sangue que insiste

Embebida em palavras-cacos

O vidro do instinto

Que chamamos verbo

Cristalino e fino

quando verso

perfurante sempre

arma inversa

e sem trégua

fatiando

o que nos resta.

sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

Dos rituais domésticos

1

A água abre

os poros

como raízes

buscando

a seiva funda

da sede

todo o corpo

floresce

pétalas de ossos

penetram

o mais abstrato

pensamento

no final da tarde

exausto

redescubro a alegria

do sangue

e a santidade

da carne.

sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

Metamorfoses do filho

As metamorfoses que nos definem se dão secretamente. Nosso olhar captura apenas a superfície das coisas, superfície escorregadia que teima em se impor. Aqui ou ali, porém, um olhar diferente, capaz de atravessar essa camada ilusória nos revela plenamente algo que já sabíamos. Meu filho já é outro, com um ano e quatro meses, ele não é mais aquele bebê que as fotos do álbum me recordavam. Com cara de menino, olho de gente grande e as primeiras palavras que não poderei guardar. O Francisco nos espia e descobre muitas coisas todo dia. Será que também sente as nossas transformações? Agora mais apegado à mãe, carente dela. Sou só acessório. Cão fiel preso ao pé de seu berço à noite.